15.10.08

A minha conversão

Ou de como mudei de economista ortodoxa pra uma delirante esquerdista.

Formei-me em Economia lá pelos idos de 1981, era uma estudante medíocre porem entusiasmada com as novidades que aprendia. Comecei minha carreira profissional em 1980, fazendo estágio em uma das empresas que pagam melhor na cidade. Em outra hora vou contar como foi essa década pra uma mulher, afro-descendente, pobre porem formada igualar seu salário com o dos meninos. Agora só vou falar de como um jovem soldador ativista do sindicato dos metalúrgicos me converteu de estudante de pós-graduação ortodoxa em uma delirante e entusiasmada eleitora de Lula.
A fábrica em q trabalhava era uma metalúrgica, com um sindicato atuante, porem formado por profissionais qualificados, mas sem escolaridade, eles tinham um jornal q vez por outra chegava na administração para nosso deleite com os erros de português, na verdade nunca demos muita importância para as reivindicações por que a maioria delas nos parecia incabíveis e eram carregadas de agressividade que achávamos desnecessárias e desrespeitosas. Santo Deus! Escrevendo, agora sinto vergonha, como eu era besta. A primeira paralisação nos pegou de surpresa, quando chegamos na fábrica, a administração foi impedida de entrar, ficamos zanzando por lá até saber o q fazer, como não apareceu ninguém pra explicar ou pra nos orientar, nem da diretoria nem da organização da greve, fomos embora, almoçar no Rei dos Salgadinhos, vulgo Cospe Grosso. Ah!! Nessa época não era incomum mulheres freqüentarem esse boteco, mas lá tinha e tem o melhor salgadinho da cidade. Bem, no dia seguinte de novo a greve, dessa vez a administração entrou e produção continuava sua luta lá fora por melhores condições de trabalho e salários. Até Juarez Antunes esteve no pátio reforçando as reivindicações dos camaradas dele.. q nessa época não eram nem de longe meus camaradas.. eu só acha aquela situação absurda perda de tempo e falta do que fazer, afinal aumento de salário se consegue com competência, pensava eu... Aiai!! Como eu era ingênua e besta! Depois de algum tempo e muita negociação um índice de reajuste foi acordado entre as parte e tudo voltou aparentemente pro lugar, pelo menos para os que não foram demitidos, e nós da administração, confortavelmente sentados em nossas salas aclimatadas obtivemos o mesmo reajuste que eles, os baderneiros.
Bem vou cortar um pouco o caminho até pq nos me lembro muito bem das datas e fartos. Numa das muitas paralisações desse período, estava indo pra casa de carona com um amigo e este para pra conversar com um dos ativistas da greve. Ele debruçou na janela do carro e estava explicando os motivos da greve, o que eles sentiam e o que queriam. Era um jovem soldador do qual eu já ouvira falar por sua competência e qualidade de seu trabalho, só que nesse dia eu vi uma coisa q até então nem imaginava q existisse: olhos com brilho das estrelas. Lembro q fiz um comentário, assim meio arrevesado de que era sonho, que eles nunca iriam alcançar aquilo, só daqui a 50 anos. O que ouvi foi o seguinte: Daqui a 50 anos começa pode começar hoje. E era tanto fogo naquele olhar que me perturbou. Vim pra casa pensando naquilo, no porque daquele jovem talentoso jogar o com futuro assim, depois daquela greve ele estaria demitido e provavelmente não conseguiria emprego fácil na região, pois todos os ativistas eram registrados e ficam marcados.
Sempre que me lembrava desse episodio alguma coisa mexia dentro da minha cabeça, comecei a prestar mais atenção á política da minha cidade, a ter um censo crítico mais aguçado a respeito das decisões que eram tomadas no país. No ano de 1986 teria eleição pra prefeito e eu cansada de me irritar com os comícios q eram feitos aqui na minha rua resolvi q iria entrevistar os candidatos e saber os seus projetos, isso é, iria questiona-los pessoalmente. Assim foi, até que em veio o PT, um partido suspeito, num caminhãozinho velho, e as duas professoras, candidatas a Prefeito e a vice. Algumas pessoas riram quando eles chegaram aqui na praça e realmente chegava a ser ridícula a condição financeira da candidatura delas. Como eu vinha fazendo com os outros candidatos fui lá conversar com elas antes do comício. Qual não foi minha surpresa ao encontrar na comitiva o tal rapaz de olhos de fogo. Nesse momento começou a minha conversão. Conversamos por muito tempo, e a cada argumento ortodoxo meu, ele tinha um contra argumento absolutamente sensato e coerente, ele conhecia Adan Smit, Ricardo, Marx. Ele leu O Capital, enquanto eu que arrotava conhecimento adquirido nos bancos da escola só conhecia algumas partes relacionadas em outras literaturas. Na semana seguinte eu tava na janela e eis q aparece meu ex-colega de moto, ele veio me fazer uma visita e ficamos novamente conversando por boas horas, eu cada vez mais sem norte, meus conceitos todos caindo e uma nova visão de desenhando diante dos meus olhos atônitos e encantados. Ele me perguntou: se eu te der um livro, você lê? Claro eu disse.
No sábado ele aparece com uma garrafa de vinho e um livro, acho q a essa altura do campeonato eu não via mais meu ex-colega de trabalho e sim o próprio Che Guevara chegando de moto e blusão de couro. Dessa vez eu o convidei pra entrar e ficamos agora amigavelmente discutindo as teorias do Marx, onde e por que Lenine e Stalin estavam certos ou errados e sonhamos com mundo de justiça, de igualdade, de trabalho e desenvolvimento. Tomamos o vinho enquanto ele me mostrava nas páginas do livro as passagens mais absurdas do sangrento massacre do Araguaia, quando ele levantava os olhos da pagina que tínhamos acabado de ler juntos pra me falar entusiasmado das coisas que ele acreditava e pelas quais ele lutava, eu vi todo minha ortodoxia ser queimada, estava enfim convertida. No dia seguinte, tomamos o café da manha tarde e eu não vi mais por um bom tempo. Fiquei sabendo muito depois q ele estava trabalhando num desses países visinhos do sul, pois por aqui seu nome tava mesmo na lista negra. Anos depois votei convicta e emocionada no Luiz Inácio Lula, que saia candidato pela primeira vez.
Ah!!!. Achou que eu ia contar o que aconteceu depois do vinho? Prefiro não comentar!!! kkkkkkkkkk

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